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PABVULA.PABVLOSÆ: o nariz do Barbosa (parte 3 - final)

Senhoras e senhores, dando continuidade ao nosso espetáculo

co'cês: A BIROSCA!

(Caindo a lona. Dividido em 3 partes: esta é a última...)

* * *


Paulo arfa. Pedro arfa. Paulo e Pedro arfam. Pablo arqueia o corpo... e arfa. Ratos sob a derme. Suor sob o cordão roliço e tenso, ora oscilante, ora pulsante. Duas trancas. Uma em cima e outra em baixo. Duas chaves (elas têm o formato de estrelas!), guardadas no bolso.


– Vai! – grita Paulo.


– Dois! Três! Dois! Três! – berra Pedro.


– Vem, vem, vem! – este é o Pablo, maroto e faceiro. Na rua, todos olham para o alto, contra o Sol e contra a maré, que calor é o que mais pesa!


A corda retesa, pesa sobre si mesma no seu limite máximo, mas não estoura. Destorpe. Um trançado de coisinhas miúdas, a corda, e de coisinhas ainda mias miúdas, o couro das luvas dos homens. Uma corda pode ser confeccionada pelo trançamento de três tiras secas de cordão ou poliéster, compactadas por uma máquina de fazer cordas. É um trabalhão danado! Cada linha, de cada cordão, age como uma fibra óptica, mas substituindo a luz pelo trabalho de alguém. Os músculos são como cordas amarradas em tendões, e os tendões são como trabalhadores (muito obstinados) levados a uma selva escura (muito sinistra) em plena metade do caminho de suas vidas.


Três homens. Três cordas. Pela janela, uma passagonha, o senhor Barbosa é içado para dentro do seu apartamento às onze horas e vinte e um minutos. Todas as trancas estão destrancadas. Passaduras, passaginhas e entradas. Ainda assim, o homem leva seu molho de chaves numa argola metálica grampeada em sua bermuda, uma sacola com seus pertences mais valiosos, uma carteira, uma ou outra quinquilharia eletrônica, e um nariz de palhaço, um nariz fantástico, um nariz maroto, um nariz pimpão... Um nariz de palhaço que escapole e desce em trajetória ébria pelos ares, direto para o meio-fio. Lá em cima, outros três homens fortes (trabalhadores ou tendões) o ajudam a se desvencilhar das polias e, rapidamente, desconectam o sistema e as cordas, mosquetão, malha, mais cordas, cinturão. Tendões gritam: OK lá em cima. OK lá em baixo. Arados, stop! Os homens saem, deixando o senhor Barbosa sentado no sofá. São meus princípios.


– Vocês poderiam pegar o controle da TV para mim, sim? Obrigado, rapaz. Tome uma destas, pode levar. É para a cerveja.


Os homens deixaram o senhor Barbosa bastante confortável, a bem dizer. Ele olhou para as paredes, para a porta e para o largo corredor. Enfim, sozinho. Tentou pegar a sacola com seus itens mais queridos, mas a dobra do estômago não o deixou. Um rugido apareceu como legenda: palhaço também sente fome. Ficou ali, encarando-a, como um animal ferido. Logo percebeu, no entanto, que sua sacola possuía uma pequena abertura, coisa de dois dedinhos no largo. Coisa de um tomate-cereja, coisa de uma solidão dividida. Por aquele furo, somente uma coisa poderia escapulir. O senhor Barbosa arfava. Ah, mas como ele arfava.


* * *

Andar térreo. Bianca anda de patinete quando uma bolinha vermelha cai em sua frente. A solidão deve ser vermelha e o amor amarelo. Uma rodinha. Duas rodinhas. A bolinha vermelha amassa e, com ela, o estalido fino de um cristal faz um crec. Enquanto todos olham para o céu, onde um homem é içado para dentro de seu próprio apartamento. Bianca tira um saquinho plástico de dentro do nariz vermelho. Ele tem três pedrinhas e um pouco de pó. Tenso! Enquanto todos olham para o que acontece do lado de fora, Bianca entra no prédio, empurrando o patinete. Masca chiclete. Sobe. Cospe na privada antes e depois, toma banho. Espera. Ajeita uma boneca de lugar. Uma boneca toda vermelha. Brinca de chá das cinco às duas da tarde. Explica-se para Dandinha:


– É que já está na hora.


– Tá na hora de quê, Bianca? Está doida? Você nem almoçou. – disse a boneca.


– É que já passa das cinco aqui em Londres, querida. – após o que escutaram um barulho na porta da cozinha – Dandinha! Arrume essa mesa já, que papai chegou! – A boneca fez o que pôde, é bem verdade, mas seu pai, Baltazar, já estava na porta do quarto.


Baltazar voltou para casa mais tarde que o de costume. Teve um empecilho no trabalho, e o empecilho ainda sujou o coturno dele de sangue. Baltazar é o traficante de drogas mais temido do Acupe de Brotas. Com Baltazar não tem meia palavra, e todos retribuem no respeito.


– Quem é que não fez o dever de casa hoje? – disse ele.


– Papai! Ih! É tudo culpa da Dandinha!


– Olhe pra mim, Bianca. O que foi que decidimos, juntos, hein? De comum acordo?


– Mas foi a Dandinha que me…


– Bianca. Bianca, olha pra mim. Não vou falar duas vezes. Que...


– … que primeiro o dever, depois brinca.


– Ótimo. – beijou-a na cabeça, bem no cocoroto, e levou a mesa de chá até o canto do quarto. – Bianca, venha aqui.


– Que foi, papai?


– Você pegou açúcar da cozinha, foi?


– Não, papai. Eu achei esse açúcar no nariz do palhaço!


– Onde?


– No nariz do palhaço – disse, apontando para o saquinho plástico. De dentro dele, três pedrinhas brilhavam, como cristais.


– Aí o sujeito me sacaneia. Bem aqui? Bem no Acupe?



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VM.GRITO.NA.MADRVGADA


Renato Barreto, vinte e três anos, estudante de Arquitetura. Desenhava um Homem Aranha no canto da planta baixa com uma caneta BIC. Tinha o costume de segurar o lápis com o polegar, indicador e anelar apenas, sem deitá-lo no dorso da mão, e sua escrivaninha ficava diante da janela do quarto. Uma. Duas. Três teias. TV desligada. Madrugada acesa. Veio, então, um ruído baixinho, fininho e crescente, daí então um berro, um vulto em sua janela, outro berro rasgado, um horror, outro ruído baixinho, fininho, três Mississípis, dois Mississípis, e qualquer coisa lá embaixo, um estrondo que poderia ser um rojão surdo, daqueles que fazem tremer o peito quando explodem.


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Mas era Barbosa.



Fig 4: Tri-palmitoil-glicerol. Nome informal: ou, apenas, Barbosa


Renato saltou para a sua janela e, com ele, várias cabecinhas de verme dançavam nas janelas do edifício.


– O prédio esta bichado! – gritou o primeiro verme, lá do alto.


– Aquele é o Barbosa? – urrou, aos prantos, o verme do primeiro andar.


– No Acupe, não! – responde o primeiro, às gargalhadas.


– É um saco de banha estourado no play ground, olha pra isso, que feijoada! O nariz dele entrou pra dentro! Que horror! Que horror! Está todo torto! Ai, mas é tanto sangue! E o que é aquilo ali embaixo, ao lado dos dentes dele? É um nariz de palhaço?


– Um o quê!? – indagou o verme do quinto andar, pela janelinha do banheiro.


Renato deixou a caneta do Homem Aranha cair pela janela. Madame Zingara, lá no alto, tinha um orgasmo. Bianca dormia, abraçada com Dandinha. Numa parede do edifício, debaixo duma mão de Fátima, o recadinho minguava:

“Quem achou um nariz de barbosa favor entregar para o Palhaço”


Bainema via editorial

uma via de edição, um coletivo de artistas, uma produtora cultural

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