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tautologia #2 ~ fragmento

Banho Quente

Banho quente – o punho da navalha, um hipopótamo. O punho esculpido, de uma presa tirado. Maravilha! – hoje de manhã, raspou-mas, as coxas e tudo.


Pé russo.

O tornozelo também.


Madame Louise Randolph Ollen – torcicolo – passa a toalha nas axilas, na brancura das nádegas, a água bate na nuca.


O baralho fechado – numa caixa, bem guardado – é um pássaro? Baldrubudur? telefone? monomotor? Passado presente e futuro.

Pobre cartomante, a mão que previu Judas, Pelés, Curdos e Bagdás, abre e fecha o chuveiro. A velha tirou os cabelos do ralo. Os cabelos de Madame. Alvinegros. Pé torto, a toalha nas atrás da nuca, na frente da barriga, debaixo das canelas, perto da artéria aorta.

Madame Louise Randolph Ollen não casou, não teve um filho sequer, fez das suas cartas o véu, a calçola, a osteoporose, o caroço da verdade.


Nua.


Louise veste o roupão. Prende a voz no torso. Glaucomatosa. O chão. A água goteja. O chão. O chão. O chão.

*

espinho e entorno

tudo partido

cala

tropeça no silêncio

tudo marcado

sangra

poça e dor

tudo jardim

*

repetirei a cantiga de rosa

repetirei todos os poetas

repetirei os enguiços,

os tropeços

os ritos,

as juras

o desalinho

o vício

o tédio

repetirei com gozo

repetirei toda a cachaça, o desvario

a compaixão

as pujanças

a penúria

e repetirei a falácia

e os martírios inúteis

e as infâmias bem forjadas

e as asneiras sem perdão

repetirei tudo

das odes mais tolas

aos sonetos mais ardis

o ridículo e o cruel

o idílio e o escárnio

o previsto e o impróprio

o roseiral e cada espinho

eu repetirei

*

fotografia: Daniel Dinato

*

Grama e jardim

A grama está úmida.

Acabara de chover. Madame acabara de sair do banho. Ele acabara de chegar para alguma coisa. Há muito não sabia. Para o jardim. A desconfiança era dela. A casa, os cheiros, as cores, o pó. O jardim. O jardim dela – Ah, o jardim de Madame! Ela já não vê.


A grama está mesmo úmida.

Mas estes perfumes a perseguirão. Ele bem sabe. Madame Louise Randolph Ollen. Suas cartas pela janela. Um baralho. Pobre Madame, ainda quente, ainda úmida. Num jardim de formas que já não distingue. Pisa.

A grama está fria.

Amores, enganos, torres, rococós, chabus, viagens, sorte, morte. E o futuro também. Ela via. Farta Madame Louise.

Na grama.

A grama está mesmo úmida, o chá está mesmo gelado e ele está mesmo cansado. Mesmo assim, silencioso, cata uma a uma, carta a carta. O baralho completo, eis que conclui.

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TAUTOLOGIA é um dos nossos jogos artísticos. Ele é anterior à própria BAINEMA e, de certa forma, ajudou a gente a parir essa ideia.

A TAUTOLOGIA foi inventada por Vítor Queiroz em 2010 e está na sua terceira edição. O jogo é simples. Dois artistas vão misturando, sovando, batendo os seus universos e suas linguagens pessoais até um ponto de fusão total ou até que um deles grite: “TAUTOLOGIA!” interrompendo a brincadeira.

Esse é um trecho da segunda TAUTOLOGIA feita por Vítor Queiroz e Nanda Leturiondo.


Bainema via editorial

uma via de edição, um coletivo de artistas, uma produtora cultural

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